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EPOCA NEGÓCIOS - Qual é a história que você vai contar para o seu neto? - por Rogério Oliveira.

Atualizado: 6 de mai. de 2020

A PANDEMIA ESTÁ TRAZENDO A OPORTUNIDADE, DE FORMA DRAMÁTICA E MUITO CLARA, DE ENXERGARMOS O QUE DE FATO NOS É ESSENCIAL


Hoje, no dia em que escrevo este artigo, mais de 200 mil pessoas já morreram em função da pandemia de covid-19. No Brasil, oficialmente já são 4 mil pessoas, sem incluir os casos suspeitos.


Temos todos especulado muito sobre como será o mundo pós covid-19. Além da óbvia aceleração no processo de digitalização da economia e das relações, eu infelizmente acredito que pouca coisa vai mudar. Pelo menos não para melhor.


Eu infelizmente acredito que pouca coisa vai mudar. Pelo menos não para melhor.



Não acho que vamos todos despertar para uma nova consciência cósmica universal como muitas pessoas ligadas à espiritualidade acreditam que acontecerá, ou desejariam que acontecesse, e acabam por expressar um desejo como previsão.

Não vamos tão subitamente, por maior que seja o trauma, conseguir deixar para trás a já cansativa era do hiper-individualismo e escapar da “falsa noção de independência”, como chamam os budistas tibetanos. Uma ilusão que nos acometeu e que nos fez desvalorizar a vida em comunidade e a colaboração, contraditoriamente a nossa maior força enquanto espécie e que nos fez sobreviver neste lindo planeta azul.

A pandemia de covid-19 também não trará amadurecimento suficiente para conseguirmos abandonar o que já considero um vício pela polarização. Polarização que além de nos afastar, nos cega e produz os mais superficiais debates, em especial, sobre o falso dilema entre liberalismo e intervencionismo. Debates acadêmicos, pouco práticos, rasos, como se existisse receita pura, ignorando a realidade e os casos práticos que demonstram que o melhor remédio sempre será uma combinação inteligente e maleável entre os dois (ou mais) modelos, dependendo do estado do paciente.

A tão recriminada renda básica universal será finalmente implementada aqui e ali, mas não ganhará adesão majoritária no mundo, apesar da clara falta de segurança social a que, por exemplo, 4,5 bilhões de pessoas estão sujeitas, enfrentando essa pandemia sem saneamento básico. Mais da metade da população mundial.

A estatização de 100% dos hospitais na Espanha durante a crise da pandemia, como medida organizacional e ética — para que a escolha entre quem fosse sobreviver ao vírus ou não passasse a ignorar o quanto de dinheiro você tem na conta corrente — não ganhou as manchetes e, pós-pandemia, continuaremos a naturalizar essa espécie bizarra de “seleção natural”, especialmente em países campeões de desigualdade, como o nosso.

O mercado atuando livremente, com preços abusivos de máscaras, a falta de respiradores, com a lenta regulação tentando correr atrás dos danos, ou, ainda pior, o leilão público entre países ricos competindo com países mais pobres, com uso do capital como único fiel da balança para determinar se EPIs produzidos na China deveriam seguir para este ou aquele país, sem nenhuma restrição ou coordenação cooperativa global, não serão lembrados.

Uma previsão óbvia e triste é que a desigualdade vai aumentar. Vai aumentar entre países e dentro dos países.


A pandemia tem gerado alguma sensação de que, pela primeira vez em muitas décadas, estamos enfrentando um problema global comum, que nos conecta e nos iguala. Você também já deve ter escutado por aí a expressão de que pela primeira vez em muito tempo “estamos no mesmo barco”.

Não estamos, senhoras e senhores. Não estamos no mesmo barco. E vai uma dica: não use este termo, ele é desrespeitoso.


Estamos apenas na mesma tempestade em mar aberto, com um furacão passando por todos nós. Mas enquanto alguns estão lutando para não se afogar, segurando em algum pedaço de madeira, boiando, outros estão esperando a tempestade passar dentro de um iate, uma lancha, um local bem abrigado. Mas assim que as ondas e correntes diminuírem, alguns poderão zarpar rapidamente para atracar em portos seguros e recomeçar a sua vida com alguma rapidez. Mas quem estava ali boiando sabe que vai ter de nadar muito e por muito tempo para tentar chegar nesse mesmo porto. E ao chegar, recolher os restos do que lhe sobrou para tentar recomeçar a vida.


Entre países a velocidade de recuperação pós pandemia estará diretamente atrelada às reservas e ao % do PIB que cada país terá de capacidade de injetar em suas economias. Países não desenvolvidos, que já vinham de turbulências econômicas, com baixa estabilidade política, pouca confiança internacional e com moedas locais fragilizadas levarão muito tempo para tentar, em caso de mínimo sucesso, voltar para o ponto em que estavam. E claro, continuarão a sofrer com a migração acelerada de capital de seus países para moedas e países fortes. Oportunidade futura imperdível para potências, uma vez recuperadas, comprar a preço de bananas ativos em países ainda em frangalhos.


Entre indivíduos, aqueles com reservas, algum patrimônio excedente construído conseguirá apertando um pouco o cinto, aguardar a retomada mesmo que lenta da economia e assim que uma boa previsão de ondas favorável surgir estarão prontos para surfá-las novamente. Já os que lutaram para sobreviver durante o período, estarão ainda mais empobrecidos, fracos e sem base estrutural para um recomeço. Voltar para o ponto onde estavam antes da tormenta lhes custará mais tempo. Estarão à mercê de subempregos cada vez mais precarizados e que não lhes fornecem o mínimo de segurança social. Essa nova forma de escravidão moderna que temos assistido como algo ‘cool’, high tech, mas que não é primeira opção de emprego para nenhum ser humano, apenas a única alternativa que lhes resta.

Mas, sempre há um, mas.

Alguém twittou um dia: “vocês repararam que a economia está entrando em colapso porque estamos consumindo apenas o essencial?”

Não é de hoje e não é por causa da pandemia de co- vid-19. Um estudo de Harvard mostrou que nos EUA 80% das maiores empresas antes de 1980 já não existem mais. E que outras 17% delas não estarão mais vivas nos próximos 5 anos. E no restante do mundo a tendência é a mesma. A razão principal? A incapacidade das organizações de inovarem de forma relevante. As empresas deixam de criar valor real para as pessoas, deixam de ser relevantes socialmente. Os negócios que não geram valor social já estavam entrando em colapso antes da pandemia. Vários já tinham morrido, só não sabiam.

A pandemia vai acelerar este processo. Pessoas, empreendedores, startups, corporações que voltarem a se conectar com o mundo que existe em torno delas, que voltarem a se conectar de forma real com os problemas essenciais das pessoas, construirão esta relevância social através de seus produtos e serviços e não serão extintas. Ao menos não tão rapidamente.


Para as startups, projetos que estão nascendo, aqueles que tiverem no centro de seu negócio a geração de valor social real e profundo terão sempre mais chance de sucesso e de perpetuidade.

A velha pergunta já feita uma vez: “se sua empresa deixasse de existir, o mundo sentiria falta?” A pandemia está trazendo a oportunidade, de forma dramática e muito clara, de enxergarmos o que de fato nos é essencial, do que sentimos falta.

Estamos vivendo um período histórico. Assim como aconteceu com gerações passadas após a gripe Espanhola, 1a ou 2a guerra, Holocausto, atentado de 11 de Setembro, seus netos ou suas netas vão lhe perguntar um dia o que você, talvez em posição um pouco mais privilegiada do que a maioria, fez durante a pandemia da covid-19? O que você fez? O que você está fazendo?

Não há nenhuma espécie de cobrança aqui para que você vire um super herói e faça algo que não está a seu alcance. Aliás não há cobrança para que você faça nada, obviamente. Cuidar de você, de sua família e sobreviver a esta tragédia humanitária já é muita coisa.

Mas tente enxergar a grandiosa oportunidade que esta pandemia está nos dando ao nos livrar do que não é essencial. Repensar o que produzimos, como consumi- mos, o que empreendemos.

“A revolução é pessoal e intransferível”.


"A revolução é pessoal e intransferível." Mas passada esta fase sobrevivência física e econômica, repense qual o valor social real que você, sua startup, a empresa na qual você trabalha gera. Qual problema seu produto ou serviço ajuda a resolver através do core do seu negócio? O quanto ele é essencial para as pessoas, para nossa vida no planeta?

Se você conseguir usar sua quarentena e esta pausa para começar a refletir e quem sabe construir algo nesta direção, não garanto que sua vida será mais fácil. Mas garanto que será melhor. Para você, para a longevidade do seu negócio e para o orgulho dos seus netos.

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